Em 2Coríntios 1.8, Paulo confessa que, em certo ponto, sofreu tamanha aflição “a ponto de perdermos a esperança da própria vida”, o que é uma observação impressionante — e de um tipo que não se esperaria de um dos maiores apóstolos de Cristo.

Mas o sentimento de perder a esperança de viver é surpreendentemente comum nas Escrituras. O profeta Elias pede a Deus que tire sua vida (1Reis 19.4). Jó lamenta não ter sido “levado direto do ventre para a sepultura” (10.19). O pregador de Eclesiastes (4.2-3) e o profeta Jeremias (15.10) também chegaram a desejar nunca terem nascido.

Quer o motivo de tanta angústia seja a perseguição religiosa, uma perda pessoal, a prevalência do mal na terra ou o fardo de ser um profeta de Deus, perder a esperança de viver não é uma experiência anormal.

Vemos tendências semelhantes nos dias de hoje. De acordo com os Centros para Controle e Prevenção de Doenças (CDC), nos Estados Unidos, a taxa de suicídio entre homens de 15 a 24 anos aumentou 8% em 2021 e, de acordo com a Mental Health America, mais de 20% dos adultos têm sofrido com algum tipo de doença mental.

Existem várias explicações possíveis para essas taxas crescentes de aflição mental — porém, para quem está sofrendo, há uma questão muito mais imediata: por que sair da cama para suportar tamanho sofrimento?

Embora possa parecer mórbido fazer esse questionamento, precisamos ter uma resposta.

A vida é cheia de alegria e de beleza; porém, uma hora ou outra, todos nós enfrentaremos o desafio do sofrimento mental. Para alguns de nós, ele assumirá a forma de uma doença mental diagnosticada. Para outros, virá na forma dos muitos sofrimentos da vida. Prestamos um grande desserviço uns aos outros ao reconhecermos o sofrimento mental somente quando houver um diagnóstico clínico oficial.

Mas essa angústia é algo que certamente acontecerá em algum momento de nossa vida — até mesmo para os filhos de Deus, como as Escrituras nos mostram. Os cristãos não estão imunes a isso. E podemos chegar a tal ponto de perdermos a esperança de viver. Quando esse dia chegar, precisaremos de uma resposta. Precisamos saber por que vale a pena levantar da cama para enfrentar o dia que temos pela frente. Alguns de nós terão que responder a essa pergunta todos os dias.

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Felizmente, vivemos em uma época em que o estigma da doença mental foi drasticamente reduzido, mas acho que a maioria de nós ainda sofre sozinha. Pode ser que seja socialmente aceitável compartilhar sobre seu estado de saúde mental nas redes sociais, mas a experiência íntima do sofrimento permanece oculta. É sempre o seu sofrimento, no seu coração e na sua mente.

E acho que muitos de nós mantemos nossa dor trancada a sete chaves, pois não queremos incomodar os outros com nossos problemas. E mesmo que você receba ajuda de um profissional da área de saúde mental (o que eu recomendoenfaticamente), esse profissional não poderá decidir sair da cama por você. Ele ou ela pode lhe dar ferramentas e medicamentos para ajudar [no tratamento], mas, no final, será sempre você, Deus e a sua escolha.

Então, por que sair da cama?

Mesmo quando sua vida lhe parece um fardo, ela é um presente de Deus — uma dádiva que ele criou e sustenta, a cada momento, em um ato infinito de amor. A virtude dessa dádiva não depende de como nos sentimos ou das experiências que enfrentamos. Nosso desafio, porém, é viver essa dádiva todos os dias, mesmo em meio ao nosso sofrimento mental.

Levantar-se da cama para enfrentar o dia e carregar o fardo mundano de viver com alguma doença mental ou de enfrentar um sofrimento atroz por problemas da vida é um ato de adoração. Ele declara a virtude da vida em desafio à Queda. É um ato espiritual de oferecer seu corpo como sacrifício vivo, santo e agradável ao Senhor (Romanos 12.1).

Algumas vezes, sua mente e o mundo mentirão para você. Eles insistirão na falta de sentido da vida. Eles insistirão que não há alegria, paz nem esperança. E, nesses momentos, podemos clamar como Elias: “Já tive o bastante, Senhor” (1Reis 19.4). Contudo, em vez de castigá-lo por sua fraqueza ou sua falta de esperança, o Senhor enviou um anjo para alimentar Elias no deserto.

Esse é o Deus a quem servimos: um Deus que prepara uma mesa no deserto para aqueles que se sentem sem esperança. E algumas vezes você se encontrará nessa mesa.

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Mas quando escolhe levantar da cama a cada dia, você também prepara uma mesa para o seu próximo. Você declara, com seu ser e suas ações, que a própria vida é boa. Quer você goste ou não, sua vida é um testemunho que atesta a bondade de Deus. Assim, quando abraçamos nossa existência, testemunhamos em voz alta ao nosso próximo: “Levante-se e coma” (1Reis 19.7).

Há esperança. Deus não nos abandonou — ele não nos abandona.

Para muitos de nós, levantar da cama às vezes exige um esforço hercúleo. Mas é precisamente nestes momentos que o nosso testemunho é mais profundo. Tomamos sobre nós o fardo da aflição mental porque sabemos que, no centro de nossa existência, não está a desesperança nem o sofrimento, mas sim a graça — a graça de Deus.

Agimos com base nessa graça, mesmo quando a única coisa que nossos corações sentem é falta de esperança. E quando nossos próximos nos veem levantando da cama, para afirmar a virtude básica de viver, eles são lembrados de que a vida deles também é boa.

Infelizmente, alguns de nós passarão por períodos de sofrimento tão intenso que sair da cama parecerá algo inimaginável. Em tempos assim, devemos contar com a ajuda de outras pessoas para que nos carreguem.

Um dos atos de misericórdia mais sagrados que podemos oferecer é a disposição de erguermos uns aos outros, quando perdemos toda a esperança. Isso pode vir na forma de enviar uma mensagem de texto encorajadora para alguém ou de sentar-se com uma pessoa que está desesperada — ou até mesmo de lhe dar um abraço.

E a graça que recebemos, quando um de nossos próximos nos carrega, um dia será transfigurada na graça que estenderemos a outros, quando eles precisarem ser carregados.

Reconhecer a realidade de que todos nós enfrentaremos o sofrimento mental em algum momento de nossa existência não diminui a beleza da vida. É precisamente em nossos momentos de total falta de esperança que, ao sairmos da cama, poderemos dar um testemunho mais poderoso da beleza da vida.

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Um dia — talvez hoje, talvez amanhã, mas certamente na eternidade com Deus — todo sofrimento passará. Mas, por enquanto, nosso dever é viver a verdade de que nossa existência criada foi e é um ato de amor de um Deus de graça.

Tradução por Mariana Albuquerque

Edição por Marisa Lopes

O. Alan Noble é professor associado de inglês na Oklahoma Baptist University e autor de vários livros, entre eles On Getting Out of Bed: The Burden and Gift of Living.

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