Em Efésios 5.21, Paulo instrui os cristãos para que “sujeitem-se uns aos outros”. Essas palavras têm sido tradicionalmente entendidas como algo que exige submissão mútua, mesmo entre membros da família. O reformador João Calvino, por exemplo, reconheceu que a noção de um pai se submetendo ao filho ou de um marido se submetendo à esposa pode parecer “estranha à primeira vista”; porém, ele nunca questionou que tal submissão é de fato o que Paulo prescreve.

Mais recentemente, no entanto, essa leitura de Efésios 5.21 tem sido questionada — ironicamente, em nome do conservadorismo teológico. Muitos eruditos evangélicos agora afirmam que a submissão neste versículo não é uma submissão mútua (pela qual todo mundo se submete a todo mundo), mas uma submissão unidirecional àqueles que estão em posição de autoridade (pela qual uns se submetem a outros). O defensor mais declarado dessa visão é Wayne Grudem, um teólogo proeminente que ajudou a criar o Conselho sobre Masculinidade e Feminilidade Bíblicas.

Grudem, que recentemente anunciou que está se aposentando das salas de aula, tem argumentado por mais de três décadas que Efésios 5.21 poderia ser parafraseado da seguinte forma: “Aqueles que estão sob autoridade devem sujeitar-se àqueles entre vocês que têm autoridade sobre eles.” Pela leitura de Grudem, este versículo requer que a esposa se submeta ao marido, mas não requer de forma alguma que o marido se submeta a esposa.

Em defesa dessa interpretação, Grudem apela para o significado de hypotassō, o verbo grego traduzido por “submeter-se” ou “sujeitar-se”. Grudem alega que esse verbo “em toda a literatura grega, cristã e não cristã, sempre significa sujeitar-se à autoridade de outra pessoa”.

“Em todos os exemplos que podemos encontrar”, segundo Grudem argumenta, “quando se diz que a pessoa A ‘está sujeita’ à pessoa B, a pessoa B tem uma autoridade única que a pessoa A não tem. Em outras palavras, hypotassō sempre implica uma submissão unidirecional a alguém que está em [posição de] autoridade”.

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O problema com esse argumento é que as alegações a respeito de hypotassō simplesmente não são verdadeiras. Considere as oito passagens da literatura antiga transcritas a seguir, que contêm o verbo hypotassō. Cada uma delas refuta de forma cabal a alegação de Grudem de que hypotassō “sempre implica uma submissão unidirecional a alguém que está em [posição de] autoridade”. Em diversos textos, hypotassō é usado para descrever uma submissão que é explicitamente mútua, e não unidirecional. E em todas as oito passagens a seguir, hypotassō é usado para descrever uma submissão a pessoas que não estão em posição de autoridade. (Todas as traduções são minhas. Uma discussão extensa desses e de outros textos relevantes aparecerá em meu artigo que será publicado na Lexington Theological Quarterly.)

  1. Antíoco da Palestina, um monge do século 7, dá o seguinte conselho àquele que busca humildade: “Que ele se submeta a seu próximo, e que seja um escravo dele, lembrando-se do Senhor, que não desdenhou por lavar os pés dos seus discípulos” (Pandectes 70.75-77).
  2. Gregório de Nissa, um bispo do século 4, explica que todo membro de uma comunidade monástica deve se considerar “um escravo de Cristo que foi comprado para a necessidade comum dos irmãos” e deve, portanto, “submeter-se a todos” (De instituto Christiano 8.1:67.13-68.12).
  3. Em uma carta pessoal, um bispo do século 4, Basílio de Cesareia, fala de alguém “que, segundo o amor, submete-se a seu próximo” (Cartas 65.1.10-11).
  4. Em um tratado que estabelece regras para a vida em uma comunidade monástica, Basílio cita a exortação de Paulo em 1Coríntios 10.24: “Ninguém deve buscar o seu próprio bem, mas sim o dos outros.” Basílio conclui, então, que é necessário “submeter-se a Deus, segundo o seu mandamento, ou aos outros, por causa do seu mandamento” (Patrologia Graeca 31:1081.30-38).
  5. Em um tratado que é atribuído a Basílio, o autor descreve os membros de uma comunidade monástica como “escravos uns dos outros” e “senhores uns dos outros”. Essa “escravidão de uns aos outros” não é instaurada por coerção, mas feita por espontânea vontade, com “o amor submetendo [aqueles que são] livres uns aos outros” (Patrologia Graeca 31:1384.7-14).
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  1. Em um sermão que aborda a promiscuidade sexual, o arcebispo do século 4, João Crisóstomo, afirma que “o noivo e a noiva” que não tiveram experiência anterior com outros parceiros sexuais “se submeterão um ao outro” no casamento (Patrologia Graeca 62:426.33-35).
  2. Em uma exortação à submissão mútua, Crisóstomo considera como se deve tratar um companheiro cristão que não tem intenção de retribuir [a submissão]: “Mas ele não pretende se submeter a você? Ainda assim você se submete; não apenas obedece, mas se submete. Tenha esse sentimento em relação a todos, como se todos fossem seus senhores” (Patrologia Graeca 62:134.56-59).
  3. Em um tratado que é atribuído a um monge do século 4, Macário do Egito, o autor exorta os membros de uma comunidade monástica a permanecerem “nesta boa e edificante escravidão” e a renderem “toda submissão a cada um”. O autor tem a visão de “todos os irmãos se submetendo uns aos outros com toda a alegria” e os exorta “como imitadores de Cristo” a abraçarem “a submissão e a aprazível escravidão para refrigério uns dos outros” (Grande Carta 257.22–261.1).

A interpretação que Grudem faz de Efésios 5.21 é, portanto, fundada em uma má compreensão do verbo grego hypotassō. Conforme foi ilustrado pelas passagens citadas acima, esse verbo não é usado apenas para descrever a submissão a pessoas em posição de autoridade; ele também é usado para descrever a submissão a próximos, a irmãos e a esposas.

Além disso, usando o Thesaurus Linguae Graecae — uma enorme biblioteca digital que contém essencialmente toda a literatura grega que restou do mundo antigo — analisei todas as citações e alusões a Efésios 5.21 anteriores a 500 d.C. Não encontro evidências de que a igreja de língua grega estivesse sequer ciente da interpretação [de submissão] de uns a outros defendida por Grudem. As palavras de Paulo em Efésios 5.21 são uniformemente entendidas pelos antigos cristãos como palavras que exigiam submissão a todos na comunidade, independentemente da posição, e são, portanto, rotineiramente associadas a passagens como Marcos 10.44 (“deverá ser escravo de todos”) e Gálatas 5.13 (“sede [...] servos uns dos outros”, ARA).

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Por exemplo, imediatamente após citar Efésios 5.21, Crisóstomo faz a seguinte exortação à submissão mútua: “Que haja um intercâmbio de escravidão e submissão. Pois assim não haverá escravidão. Que um não se assente na posição de livre e o outro na posição de escravo; antes, é melhor que tanto senhores como escravos sejam servos uns dos outros” (Patrologia Graeca 62:134.28-32).

Observe que, ao expor Efésios 5.21, Crisóstomo usa a linguagem de Gálatas 5.13: “sede [...] servos uns dos outros”. Embora esses dois versículos sejam rotineiramente associados na literatura patrística grega, os leitores de língua inglesa dos livros de Paulo muitas vezes perdem essa conexão. As Bíblias em língua inglesa geralmente traduzem Gálatas 5.13 como “servi uns aos outros”, mas a linguagem de Paulo é mais forte do que essa tradução sugere. O substantivo grego para o termo “escravo” é doulos, e o verbo usado em Gálatas 5.13 é o cognato douleuō, que significa “ser um escravo [servo]”.

Os verbos douleuō e hypotassō são, portanto, bastante semelhantes e às vezes são usados em conjunto, praticamente como sinônimos. Considere as quatro passagens a seguir, nas quais o verbo hypotassō é emparelhado com o verbo douleuō.

  1. Plutarco, um autor romano do século 2, cita o conselho de Platão para não “se submeter e ser escravo” da paixão (Moralia 1002E).
  2. Epiteto, filósofo grego e um contemporâneo mais jovem do apóstolo Paulo, critica duramente quem não consegue atingir o ideal estoico: “Você é um escravo, você é um súdito” (Discursos 4.4.33).
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  1. O Pastor de Hermas, um texto cristão do século 2, descreve o que acontecerá “se você for escravo de bom grado e se submeter a ele” (45.5).
  2. Na primeira das oito passagens citadas mais acima, Antíoco escreve: “Que ele se submeta ao seu próximo, e que ele seja escravo deste.”

Em seus argumentos contra a submissão mútua, Grudem ignorou a similaridade entre esses dois verbos. Ele observa corretamente que hypotassō implica uma hierarquia na qual uma pessoa é posicionada abaixo de outra. Como duas pessoas não podem estar simultaneamente abaixo uma da outra, Grudem e outros críticos da submissão mútua descartam esse conceito como algo que é autocontraditório.

No entanto, esses eruditos falham em observar que o verbo douleuō, em Gálatas 5.13, também implica uma hierarquia na qual uma pessoa é posicionada abaixo de outra. No entanto, como todos os comentaristas reconhecem, Paulo obviamente está usando o verbo douleuō em Gálatas 5.13 para descrever uma ação que é mútua, e não unidirecional. Assim, embora a linguagem de Paulo sobre submissão mútua, em Efésios 5.21, seja de fato (deliberadamente) autocontraditória, ela não é mais autocontraditória do que sua linguagem de escravidão mútua, em Gálatas 5.13.

A igreja antiga tinha o entendimento uniforme de que Efésios 5.21 exigia uma submissão mútua, e a rejeição moderna dessa interpretação entre alguns evangélicos está enraizada em alegações espúrias sobre o verbo grego hypotassō. Jesus assumiu “a forma de servo” (Filipenses 2.7, ARA), e todos os que o seguem, tanto homens quanto mulheres, são chamados a abraçar a submissão também.

Murray Vasser é professor assistente de Novo Testamento no Wesley Biblical Seminary. Este artigo resume a pesquisa acadêmica que foi apresentada na reunião de 2023 da Society of Biblical Literature [Sociedade de Literatura Bíblica] e será publicada em breve na Lexington Theological Quarterly.

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