“Sabe, eu não sinto a presença de Deus como costumava sentir. O que há de errado comigo?”

“Não tenho sequer certeza se realmente acredito em Jesus. Será que posso dizer isso?”

“Minha escola cristã nunca me ensinou sobre o racismo nos Estados Unidos. O que faço com tudo isso que estou aprendendo [sobre o racismo]? Como posso voltar para esse tipo de cristianismo [que negligencia o racismo]? Será que devo [voltar para esse cristianismo]?”

Tenho o privilégio de me sentar com jovens cristãos, enquanto eles fazem perguntas como essas — perguntas sobre identidade e desenvolvimento, mudança e crescimento. Quem estou me tornando? Eles querem saber. E como isso se relaciona com quem eu fui até agora?

Esse questionamento está no cerne do filme Divertida Mente 2, a sequência de sucesso lançada nas férias do meio do ano. Os fãs da Pixar conheceram Riley, de 11 anos, no primeiro filme (em 2015), quando Alegria, Medo, Tristeza, Raiva e Nojinho trabalharam em conjunto para ajudá-la a enfrentar [o desafio de] uma nova escola.

Agora, Riley está prestes a começar o ensino médio, e está tentando encontrar seu lugar no time de hóquei e atravessar as complexidades da puberdade. Sua adolescência apresenta às cinco emoções originais companhias novas e perturbadoras: Vergonha, Inveja, Tédio e — a mais notável entre elas — Ansiedade.

A ansiedade desempenha um papel complicado em nossa vida — por um lado, é paralisante; por outro, é prudente. Por ser orientada para o futuro, ela nos ajuda a identificar resultados negativos e a trabalhar para torná-los menos prováveis. A ansiedade nos mantém longe da beira do abismo; a ansiedade nos impede de tirar selfies com ursos.

Com a ansiedade no comando, vemos Riley transitar com algum sucesso pelos perigos da vida adolescente. Ela faz novos amigos, mais velhos do que ela, ao adivinhar os tipos de coisas sobre as quais as garotas do ensino médio falam, e até mesmo arriscando uma conversa com a capitã do time de hóquei, Val, para compensar o começo difícil que teve com algumas das outras companheiras de equipe.

Mas Divertida Mente 2 também deixa claro que a ansiedade — mesmo quando “bem-sucedida” — tem seu custo. Riley fica imaginando freneticamente o que os outros podem pensar dela, e em como as coisas podem dar errado na sua vida esportiva e social. Ela desenvolve uma “intolerância a incertezas”; vê perigo onde não existe, sempre atormentada porque não consegue saber tudo o que suas companheiras de time e seus treinadores pensam dela. Em uma cena que retrata particularmente sua ansiedade, ela imagina que se sairá tão mal que será ridicularizada pelo time; um minuto depois, ela se preocupa quanto a ser boa demais e vir a causar inveja em suas companheiras de equipe. Desesperada por algum conhecimento objetivo de onde se encontra, ela trai seus valores, ao dar uma espiada na caderneta com anotações pessoais da treinadora.

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À medida que a Ansiedade trabalha cada vez mais freneticamente para conduzir Riley por situações estressantes, as outras emoções percebem algo crucial: a Ansiedade também está apenas tentando fazer o seu melhor. Elas param de travar batalhas do tipo o vencedor leva tudo e, em vez disso, ajudam a Ansiedade a encontrar seu lugar na complexa vida emocional de Riley. As contribuições positivas da Ansiedade podem fazer parte [da vida de Riley] sem permitir que o desespero compulsivo assuma o controle.

Muitos jovens evangélicos ansiosos, entre os quais estão alguns dos alunos com quem trabalho, lutam para ter o mesmo sucesso que Riley na integração da sua ansiedade. A maioria deles entende que não é pecado sentir ansiedade; eles sabem que terapia, aconselhamento bíblico e medicamentos podem ser benéficos, quando suas preocupações saem do controle. Mas qual é exatamente o ponto de conexão entre nossa ansiedade e nossa fé cristã? Se somos encorajados a não andar ansiosos por coisa alguma (Filipenses 4.6), como nossa ansiedade pode ser outra coisa que não problemática?

Esse versículo “não andem ansiosos” é bem conhecido. Menos conhecido é o uso que Paulo faz da mesma palavra no grego (merimna) em 2Coríntios 11.28, quando escreve sobre sua “pressão diária por causa da minha ansiedade por todas as igrejas” (NRSV). Paulo junta essa ansiedade a muitas outras dificuldades — prisão, naufrágio, fome, sede, perigo — que ele enfrentou em seu papel apostólico, encarando tudo por compaixão pelas igrejas que plantou e por seu desejo de vê-las florescer.

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A palavra merimna também é traduzida às vezes por cuidado. Paulo usa o termo em 1Coríntios 12.25 para falar sobre o tipo de “cuidado” ou “preocupação” que os membros da igreja devem ter uns pelos outros, dentro do corpo de Cristo. Quando nos importamos com o bem-estar dos outros, isso nos lembra do quão frágeis e preciosos eles são; e às vezes, naturalmente, nos sentimos ansiosos por eles.

Não quero que os jovens adultos cristãos com quem trabalho sejam calmos a ponto de serem complacentes. Quero que eles se importem em servir a Jesus: quero que façam perguntas difíceis sobre o que estão se tornando e no que acreditam. Quero que apreciem a seriedade da responsabilidade que acompanha o fato de terem sido criados à imagem de Deus e de terem recebido a responsabilidade da mordomia do mundo. Quero que saibam que suas ações podem melhorar ou piorar a vida de seu próximo.

Mas também quero que experimentem essa “ansiedade” em relação à vocação, à missão e a esse viver por Cristo no contexto da certeza do evangelho. Quero que descansem no amor de Deus por todas as pessoas e por cada uma delas. Quero que não andem ansiosos por nada, no sentido positivo com que Paulo fala, sabendo que, em última análise, eles podem confiar suas lutas àquele que mais se importa com todos, lançando suas preocupações sobre ele, por meio de uma vida de oração humilde (1Pedro 5.6-7).

Em Divertida Mente 2, vemos não só os sintomas da ansiedade de Riley — as noites sem dormir, o coração batendo acelerado — mas também os anseios saudáveis ​​que sua ansiedade esconde e distorce. Riley quer crescer. Ela quer ser amada e respeitada. Ela quer dar sua contribuição, fazer parte de um time, ser boa no que faz e ser assim reconhecida.

O mesmo acontece com meus alunos, cuja ansiedade geralmente revela muito sobre quem eles são. A ansiedade sobre as notas revela um desejo de aprender e de crescer. A ansiedade sobre a aceitação dos pais revela uma apreciação pela modo que suas famílias os abençoaram. A ansiedade sobre nossa cultura online é um reconhecimento do poder e do potencial da mídia social. Por baixo desse nosso medo repleto de ansiedade de que tudo desmorone, há um anseio para que tudo se faça novo.

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Em The Anxiety Opportunity [A oportunidade na ansiedade], obra de Curtis Chang, ele observa que Jesus regularmente encontrava pessoas ansiosas nos Evangelhos: ele ouvia viúvas e tocava em leprosos, ia ao encontro das pessoas onde elas estavam, em vez de encorajá-las a deixarem de lado seus sentimentos ou a se acalmarem. Jesus amava esses seres ansiosos, e entendia que sua agitação, fosse ela apropriada ou não, era algo normal de se sentir nas próprias situações que levavam as pessoas a encontrá-lo.

Quando olhamos para esse nosso ser ansioso com a mesma graça com que Jesus nos vê, a ansiedade assume seu lugar legítimo e subserviente em nossa vida cristã. E, então, podemos começar a trabalhar por este mundo que Jesus tanto ama.

J. Michael Jordan é professor associado de teologia na Houghton University, onde atuou como reitor da capela de 2013 a 2024. Ele é o autor de Worship in an Age of Anxiety: How Churches Can Create Space for Healing [Adoração na era da ansiedade: como as igrejas podem criar espaço para cura].

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