O bairro conhecido como Florida Center é o lugar certo para ir em Orlando, se você for um imigrante brasileiro com saudades de casa. Do guaraná ao brigadeiro, mercadorias de todo tipo, vindas do país sul-americano, podem ser encontradas em lojas e restaurantes locais. Hoje também se pode encontrar lá a Alcance Orlando, igreja satélite de uma congregação de Curitiba, cidade do sul do Brasil com quase 2 milhões de habitantes.

O pastor titular, Paulo Subirá, mudou-se para a Flórida em 2017, com a esposa e três filhos em idade escolar.

“Quando vim para Orlando, nós nos reuníamos em pequenos grupos formados por familiares e alguns amigos, como o que tínhamos anteriormente no Brasil”, conta ele. Depois de um tempo, o grupo cresceu e passou a incluir amigos de amigos.

O grupo ficou grande demais para se reunir em uma casa, e depois continuou crescendo, a ponto de já não conseguir mais se reunir em um hotel. “Então, entendemos que deveríamos começar uma igreja a partir daquele grupo”, disse Subirá.

A igreja Alcance Orlando agora tem dois cultos dominicais, realizados em um auditório com capacidade para 300 lugares. Durante a semana, os membros se reúnem em 31 pequenos grupos espalhados pela área metropolitana de Orlando. Subirá, cujo irmão Luciano lidera a Comunidade Alcance em Curitiba, atualmente prepara um jovem pastor para começar uma nova comunidade na Carolina do Sul, com algumas famílias brasileiras que se mudaram da Flórida.

Plantações de igrejas formadas por imigrantes brasileiros, na Europa e na América do Norte, — geralmente iniciadas por ministérios locais bem conhecidos, cuja existência se dá à parte de órgãos denominacionais ou de agências missionárias — são novidade para o cristianismo brasileiro. Estas plantações de igreja resultam da confluência de dois fenômenos: o crescimento da população evangélica e a emigração.

A ascensão da fé evangélica no Brasil é fartamente documentada. No censo de 1980, 6,6% dos brasileiros se identificaram como evangélicos, e esse número saltou para 22,2% em 2010. Os dados da pesquisa de 2022 ainda não foram divulgados, mas um estudo de 2020 do instituto de pesquisas Datafolha indicou que 31% dos brasileiros se identificavam como evangélicos. O demógrafo José Eustáquio Diniz Alves estima que os evangélicos poderão ultrapassar o número de católicos brasileiros (64,4% da população em 2010) até 2032. A população do Brasil é hoje de 203 milhões de pessoas.

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A migração para outros países, por sua vez, sofreu altos e baixos ao longo dos anos, com números atuais que atingem um pico. Um relatório do Ministério das Relações Exteriores do Brasil (o Itamaraty) revelou que, em 2022, havia 4,6 milhões de brasileiros vivendo no exterior, o maior número de uma série histórica iniciada em 2009.

As maiores comunidades de brasileiros ficavam nos EUA (1,9 milhão) — só a Grande Orlando abriga cerca de 100 mil brasileiros — e em Portugal (360 mil), onde um em cada três imigrantes estrangeiros é do Brasil.

Os migrantes vindos do Sul Global também se tornaram um motor de crescimento para o cristianismo na Europa.

“Os migrantes latino-americanos plantaram milhares de igrejas em países como Espanha, Portugal e outros, nos últimos trinta anos. É difícil encontrar uma grande cidade europeia que não tenha uma grande congregação de língua espanhola e/ou brasileira”, escreve Jim Memory num relatório recente para a Missão Cristã Europeia.

Contudo, historicamente, no caso do Brasil, muitas dessas igrejas faziam parte das chamadas denominações neopentecostais, como a Igreja Universal do Reino de Deus (IURD), e ficaram conhecidas por seus rituais de exorcismo e sua inclinação para pregar o evangelho da prosperidade. A partir da década de 1990, a IURD expandiu-se para a Europa, Américas do Norte e do Sul, e África. Mais recentemente, a denominação perdeu muitos membros para outras denominações e teve de fechar igrejas, muitas delas no estrangeiro, em grande parte devido a escândalos.

Em 2017, cerca de 2 mil missionários brasileiros viviam no exterior. Um relatório da Associação de Missões Transculturais Brasileiras indica que o número de missionários transculturais, tanto no país quanto no exterior, tem crescido a uma taxa de 6,7 por cento ao ano desde 1989, um número superior à taxa de crescimento da população evangélica, que é de 5,8 por cento ao ano.

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Muitos líderes de igrejas locais viram neste ambiente uma oportunidade de testar seu modelo de organização e de crescimento noutras partes do mundo, à medida que seus membros se mudavam para outros países.

Um exemplo é a Igreja Batista Atitude (IBA), cuja sede fica no Rio de Janeiro. Hoje ela tem 15 mil membros na sede principal e outros 14 mil espalhados por 60 locais que ficam em seis países.

Conhecida nacionalmente como o local de culto da ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro, a igreja Atitude (que faz parte da Convenção Batista Brasileira) hoje tem igrejas em Orlando e em Deerfield, na Flórida, em Vancouver (Canadá), em Lisboa e no Porto (Portugal), em Milton Keynes (Reino Unido) e em Lamego (Moçambique).

Josué Valandro, pastor titular da IBA, diz que sua estratégia abrange dois tipos de plantação de igrejas. Ele chama o primeiro tipo de “intencional”, como no caso de Moçambique. São locais tradicionais do trabalho missionário brasileiro: comunidades ribeirinhas da bacia amazônica; os sertanejos ou os campos no Nordeste do Brasil; e a África Subsaariana. A IBA já está treinando 17 homens e mulheres para serem enviados a esses locais.

O outro tipo de plantação de igrejas é “orgânico”, movido pelas relações e viagens dos seus membros, como no caso daqueles que imigram para outros países.

Há dois anos, André Oliveira ajudou a abrir uma igreja Atitude em Lisboa, no Príncipe Real, um bairro de classe média com vocação artística. Desde então, Oliveira batizou 43 pessoas, um número excepcional para os padrões portugueses. De acordo com a Aliança Evangélica Portuguesa (AEP), apenas 3 por cento de todas as igrejas do país batizaram 50 ou mais pessoas no período de 2021 a 2022. O único problema: apenas quatro dos que foram batizados são portugueses. (Os dados da AEP mostram que 29,3 por cento das igrejas evangélicas no país têm sua audiência composta por 75 por cento ou mais de estrangeiros.)

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Alcançar o coração da população local também é um problema para a Igreja Onda Dura. A igreja mãe foi fundada em 2007, em Joinville, no sul do Brasil, por Filipe “Lipão” Duque Estrada, trineto de Joaquim Osório Duque Estrada, poeta do século 19 que criou a letra do Hino Nacional Brasileiro.

Lipão, que tem os braços tatuados e alargadores nos lóbulos das orelhas, não herdou os dotes poéticos de seu ancestral. Em vez disso, seu dom é alcançar jovens através de linguagem e adoração contemporâneas. O nome da igreja já é, por si só, uma espécie de declaração e repercute o carinho de Lipão pelo surf. Onda Dura tenta refletir a ideia de que “a onda de Deus dura para sempre”.

A Onda Dura tem 2.700 membros na sede principal. “Expandir é algo que estava em nosso coração desde o início”, disse ele. Depois de anos plantando igrejas em todo o Brasil, a Onda Dura abriu igrejas satélites oficiais em outros países, quando imigrantes brasileiros que moravam no exterior pleitearam mais do que apenas poder acessar conteúdo via streaming.

“As pessoas vêm até nós para serem discipuladas e pastoreadas, pois não conseguem encontrar uma igreja saudável para fazer parte”, disse ele. A Onda Dura Online agora conta com um pastor e uma equipe de voluntários dedicados a alcançar os que estão em busca, onde quer que estejam. Eles realizam cursos semanais de discipulado focados em treinamento bíblico e evangelismo.

Esses líderes, então, incentivam os fiéis online a formarem pequenos grupos para assistirem juntos ao culto e se reunirem durante a semana. Depois de um tempo, a Onda Dura envia um plantador de igrejas ou um pastor regional para liderar aquela comunidade e transformá-la em uma igreja em sua plenitude.

“A ideia da Onda Dura Online não é criar consumidores para o nosso conteúdo, mas sim usar o ambiente digital para fazer nascer uma igreja física”, disse Lipão.

Foi este o roteiro que a Onda Dura seguiu para se estabelecer em Charlotte, na Carolina do Norte (onde hoje reúne cerca de 100 pessoas todos os domingos), em Chicago (60 pessoas) e no Porto, em Portugal (150). Em Sines, no sul de Portugal, e em Suzuka, no Japão, o lançamento de novas igrejas está previsto para o primeiro semestre de 2024. Atualmente, pequenos grupos estão se formando na Itália, no Reino Unido, na Irlanda, na Bélgica, nos Países Baixos, na Argentina e no Cazaquistão.

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“Praticamente todos os nossos membros deixaram toda a família para migrar”, disse Subirá, da igreja Alcance em Orlando. “A igreja se torna relevante porque é a única família que eles têm”. Subirá ouviu histórias de membros da igreja que ajudam uns aos outros a tirar carteira de motorista ou a encontrar empregos e moradia por um curto período.

Uma população que está crescendo na Alcance de Orlando são os filhos e as filhas americanos de pais que são imigrantes brasileiros; eles são fluentes em inglês e querem falar na igreja a mesma língua que falam na escola. “A igreja deve acompanhá-los”, diz ele.

No Reino Unido, cuja igreja começou suas atividades há pouco mais de seis meses, a Atitude já iniciou um culto em inglês, além da programação em português.

Netos e bisnetos de imigrantes constituem grande parte da população brasileira. Muitas comunidades protestantes no país hoje são fruto do trabalho de plantadores de igrejas estrangeiros, diz Lipão, como os pastores alemães que imigraram junto com os agricultores luteranos e se estabeleceram no estado de Santa Catarina, no final do século 19.

“Funcionou uma vez”, disse ele. “Por que não pode funcionar de novo?”

Franco Iacomini é jornalista e editor da CT para a América Latina.

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