Antes de nossa filha, Hildegaard, nascer, meu marido e eu conversávamos sobre o peso de criar um filho de pastor.

Lutávamos com o fato de que as crianças que crescem no ministério são muitas vezes colocadas sob escrutínio extra — e muitas acabam amarguradas com a igreja, e abandonam por completo a fé cristã.

Eu mesma sou filha de pastor. Conheço em primeira mão o privilégio que é estar imersa na verdade do evangelho e nos ritmos da vida da igreja.

Mas também conheço a pressão constante, ainda que não intencional, de parecer estar bem, mesmo quando você não está — de fingir retidão, em vez de ser honesta sobre suas lutas e falhas. Como pano de fundo, sempre estava aquele versículo em 1Timóteo sobre os pastores serem capazes de administrar suas famílias. Meus irmãos e eu sabíamos que nossas ações poderiam custar o emprego de meu pai.

Hilde inevitavelmente terá que lidar com experiências semelhantes ao crescer nos primeiros bancos da igreja.

Contudo, um ponto que está faltando na discussão atual sobre a necessidade de desconstruir e entender essa nossa experiência de igreja é o lado bom que há em uma educação evangélica — o que há de bom em ser criado na igreja, o privilégio de ter pais cristãos e a beleza de conhecer o evangelho antes mesmo de aprender a andar.

Alguns meses atrás, pedi aos meus seguidores cristãos no Twitter que compartilhassem quais aspectos de sua fé eles querem repetir na criação de seus filhos. Recebi mais de uma centena de respostas, e muitos admitiram que, embora seu próprio relacionamento com a igreja possa atualmente ser tênue, eles tinham certeza de uma coisa: queriam que seus filhos experimentassem a comunidade cristã, tivessem uma compreensão das Escrituras e pudessem falar honestamente sobre dor, fé e dúvida.

O que notei em suas respostas foi que muitos de nós estão tentando descobrir quais aspectos de nossa educação cristã são justos e dignos de serem repetidos e quais não são.

Por exemplo, ainda estou lidando com uma falsa culpa ligada à pressão da leitura diária da Bíblia. Mas quando seguro minha filha nos braços, sei que quero que ela seja lavada regularmente na Palavra. Há muitas mensagens evangélicas extrabíblicas que quero evitar, mas estou ansiosa para contar a Hilde todas as histórias da Bíblia e ensiná-la a louvar ao Senhor e a orar os Salmos. Mal posso esperar para apresentar Jesus para ela.

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Podemos desconstruir as coisas e examiná-las, mas nossos filhos nos fazem querer reconstruí-las de maneira mais saudável e que honre a Deus.

Quanto à minha própria história, sou grata por meus pais terem me ensinado a Bíblia e a valorizar a igreja local. Mas também sou muito grata porque o exemplo deles não se resumiu apenas a falar sobre o cristianismo, mas realmente a vivê-lo. Eles encarnaram para mim o conceito de fé, mostrando-me o que significa conhecer e amar a Deus desfrutando da criação e cuidando dos vulneráveis.

Aprendi com meu pai que desfrutar das boas dádivas de Deus é uma forma de adoração santa. Ele sempre se deleitou com as pequenas coisas — os sabores, os cheiros e as texturas da vida. Antes mesmo de ouvir o famoso mantra de John Piper, “Deus é mais glorificado em nós quando estamos mais satisfeitos com ele”, ficava vendo meu pai cozinhar.

Cada erva que ele cortava, cada gota de azeite ou de vinagre que colocava era um ato de alegria tangível. Eu ouvia as cebolas refogando na panela com expectativa, e na minha família não era difícil agradecer a Deus antes do jantar, pois tínhamos sentido o aroma a cada passo da preparação de um prato e já sabíamos que aquilo era um sinal da bondade de Deus.

Sentar e ouvir a pregação de meu pai me deu amor pelo evangelho e uma base teológica firme — mas vê-lo aproveitar a vida também teve um impacto duradouro. Quer estivéssemos comendo mangas maduras, andando por uma floresta de sequoias no condado de Mendocino ou observando as poças que a maré formava em Bodega Bay, ele sempre me ensinou o que significava adorar a Deus através dos cinco sentidos, ao usufruir da natureza.

Minha educação me ensinou que toda a criação declara a glória de Deus e que podemos conhecer algo de seu caráter através da diversidade do mundo criado. Vivenciamos essa teologia quando passávamos horas na praia, em busca de estrelas-do-mar cor de laranja bem vivo, com as costas ásperas e pintadas de branco. Meu pai continuava a tocar e saborear a vida para ver que Deus é bom.

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Enquanto poetas como Mary Oliver e William Wordsworth me ensinaram a expressar minha gratidão pela natureza, foi meu pai quem me ensinou a ver a beleza de Deus em cada brisa do mar e em cada curry de coco. Mesmo já adulta, ainda tiro os sapatos sempre que encontro um pedacinho de grama macia ou uma faixa de areia na praia, só para sentir a textura do solo sob meus pés.

Em minha infância e adolescência, nossa casa era um refúgio para todos os tipos de pessoas — adolescentes rebeldes, mães solteiras, casais problemáticos e pessoas sem-teto. Minha mãe me ensinou a cuidar dos solitários, quer eles precisassem de sapatos novos ou de alguém para apoiá-los em um momento de dor. Por causa de seu dom de misericórdia, sempre havia uma cadeira a mais em torno da nossa mesa de jantar.

Minha mãe é o tipo de pessoa que puxa conversa com qualquer um, seja o caixa do Walmart ou um adolescente deslocado na igreja. Ela é o tipo de cristã que sempre carrega brinquedos na bolsa para crianças que ficam inquietas no culto ou em outros locais públicos.

Ela também tinha um coração voltado para aqueles que viviam sem-teto e ministrava a eles quando e onde quer que os encontrasse — fosse nas esquinas ou do lado de fora do McDonalds, onde éramos clientes frequentes.

Como administradora de uma escola charter [mantida com recursos públicos, mas cuja gestão é privada], minha mãe desenvolveu relacionamentos com alunos em risco que permaneceram em sua vida até seus vinte a trinta anos. Ela os levava ao médico, os ajudava a encontrar lugares seguros para viver, trabalhar e garantia que tivessem alimento para comer.

Os cristãos costumam falar sobre a importância de exercer a hospitalidade e de ajudar os pobres, mas minha mãe é alguém que realmente viveu isso. Até hoje, cada pessoa que ela conhece se sente em casa e sabe que tem um lugar ao redor da nossa mesa.

Aprendi com ela que hospitalidade é mais do que apenas limpar o chão da cozinha e colocar algo no forno — é mostrar às pessoas que elas são importantes.

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Não sei dizer quão rara foi a minha experiência. Talvez aqueles que estão atualmente desconstruindo sua fé acabem de mãos vazias, quando perguntados: “Qual foi a vantagem de sua educação cristã evangélica?” Mas me considero privilegiada por ter visto meus pais concretizarem a fé cristã em palavras e atos, e quero passar esse mesmo exemplo para minha filha.

Espero que ela aprenda algo de Deus através do sermão de domingo, bem como das flores que brotam entre a cerca e a pilha de madeira em nosso quintal. Espero que ela veja o evangelho quando perdoar alguém por magoá-la ou quando for perdoada por magoar outra pessoa.

Embora fosse maravilhoso se ela memorizasse Filipenses 2.3, quero vê-la viver esse versículo, ao conversar no refeitório da escola com um garoto solitário, cheio de espinhas e cheirando a suor, e oferecer-lhe seu pudim.

Eu sei que aqueles de nós criados na igreja evangélica têm muitas questões para resolver. Não só é bom, mas também necessário que descubramos quais ensinamentos são um reflexo verdadeiro da Palavra de Deus e quais deles são distorções e perversões que devem ser corretamente descartadas.

Mas quando Hildegard crescer e fizer esse mesmo trabalho de discernir — de refletir e reconstruir sobre o fundamento de Cristo — espero que ela também possa enxergar a beleza de ter sido criada na igreja.

Rachel Joy Welcher é autora, poetisa e editora de aquisições da Lexham Press.

Traduzido por Mariana Albuquerque.

Editado por Marisa Lopes.

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