Membros da família sentam-se nas pedras, cansados ​​de levantá-las para procurar corpos. Os homens que estão com as pás se curvam sob o peso da tristeza e do esforço, enquanto trabalham para não deixar literalmente pedra sobre pedra. O desastre aconteceu novamente: um enorme deslizamento de terra ocorreu em Papua Nova Guiné, na manhã do dia 24 de maio, e soterrou vivas cerca de 2.000 pessoas, cobriu dezenas de casas e uma escola primária.

No dia em que este artigo foi publicado, em 29 de maio, já era seguro assumir que qualquer pessoa que ainda não tinha sido resgatada — e estivesse soterrada a cerca de 8 metros da superfície — acabara morrendo. Eu passo de história em história, procurando por mais informações, mas eventualmente tenho que parar. Estou começando a me sentir claustrofóbica, imaginando o estrondo de lama e pedra me acordando do meu sono matinal.

Tive uma experiência muito semelhante com o vídeo do desabamento da ponte em Baltimore, no início deste ano. Enquanto assistia, lembro-me de ter percebido que estava prendendo a respiração. As luzes noturnas de Baltimore brilhavam ao fundo. Foi quase cinematográfico — eu poderia ter confundido a cena com o começo de uma comédia romântica dos anos 1980, com a vista da cidade logo antes de os créditos aparecerem na tela —, se não fosse pela silhueta escura do navio batendo na ponte, e me lembrando da verdade: havia caminhões e trabalhadores passando por aquela ponte, enquanto ela caía. Eu não conseguia ver seus rostos, mas estava vendo pessoas morrerem.

E não foi só Baltimore e Papua Nova Guiné. No ano passado, como produtora do podcast de notícias da CT, The Bulletin, fui exposta a muitas tragédias que aconteceram longe de mim. Vi reportagens com fotos sobre ucranianos que resgataram corpos de russos que foram mortos no campo de batalha, acompanhando o texto pela tela para entender a essência, mas tentando não me demorar nas imagens gráficas. Li relatos de tiroteios em escolas e de crimes motivados por racismo, e tive de parar para respirar fundo. Manuseei relatos sobre personalidades famosas que morreram e senti aquela pontada distante e familiar de tristeza. E a morte não me é estranha.

No entanto, com tudo isso, às vezes, quando me deparo com tragédias como essas, um pensamento passa pela minha mente: poderia ter sido pior. E me contenho, envergonhada. Será que fiquei indiferente e insensível? Ou simplesmente já vi tragédias demais?

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Não sou a única a fazer esses questionamentos. Já na década de 1970, pesquisadores começaram a alertar sobre como representações visuais de violência poderiam ser prejudiciais aos espectadores, especialmente crianças. Depois de ver imagens violentas dos ataques de 11 de setembro ou de tiroteios em escolas, por exemplo, os participantes da pesquisa relataram maior angústia do que aqueles que apenas ouviram ou leram sobre os mesmos fatos.

Esses resultados não foram nenhuma surpresa. Participar, mesmo que indiretamente, do sofrimento de outros pode nos trazer muita dor, ansiedade e, às vezes, traumas duradouros. Se uma morte na própria família pode destruir um universo pequeno e conhecido, como a mente humana pode compreender a perda em uma escala muito maior?

O fato de estarmos separados [dessa violência] por pixels não faz tanta diferença assim. Não precisamos ser testemunhas em carne e osso para que o sofrimento deixe em nós uma marca permanente, e nosso ambiente de mídia digital é concebido para nos transformar em testemunhas de tragédias diariamente. Passar por uma manchete preocupante após a outra pode levar a sentimentos crescentes de frustração, preocupação e desespero. É de se admirar que três em cada quatro americanos digam que estão “sobrecarregados com o número de crises que o mundo enfrenta hoje”?

O fluxo constante de sofrimento local e global que vemos em nossas telas pode nos deixar exaustos, entorpecidos ou desiludidos. Podemos perder a noção do tipo de presença e de cuidado para o qual Deus nos chama. Insensibilizados, aprendemos a ignorar tragédias “menores”, deixando apenas as tragédias com mortes em massa provocarem nossa tristeza, como se instituíssemos uma hierarquia entre perdas e esquecêssemos da gravidade de cada sinal do pecado e da morte neste mundo caído.

Tanto a ciência quanto as Escrituras confirmam que Deus nunca nos criou para sermos como Atlas, alguém que carrega o sofrimento do mundo inteiro nos ombros. Jesus veio para carregar esse fardo por nós (1Pedro 2.24). No entanto, Deus de fato nos criou para “levar as cargas uns dos outros, e assim […] cumprir a lei de Cristo” (Gálatas 6.2). Ele formou neurônios-espelho em nossos cérebros para que, mesmo no nível celular, pudéssemos entender a dor uns dos outros. Ele ordenou que consolássemos uns aos outros com a mesma fonte de consolo que nós recebemos (2Coríntios 1.4) — uma tarefa que, reconhecidamente, pode parecer quase impossível em meio a esse contínuo massacre de más notícias.

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Então, como cumprirmos o mandamento de amar o próximo como a nós mesmos, quando não temos certeza de que podemos suportar suas histórias de dor e tristeza?

No meu trabalho no The Bulletin, e para além dele, eu me beneficiei dos conselhos da autora e terapeuta Aundi Kolber, que nos encoraja a nos proteger contra esse entorpecimento nada caridoso cuidando primeiro de nós mesmos. Kolber me disse em uma entrevista: “Quando Jesus diz: ‘Ame o próximo como a si mesmo’, temos de reconhecer a sabedoria desse ‘a si mesmo’ que está incluído aí”.

Na prática, isso significa avaliar meu consumo de mídia, e criar limites de tempo para engajamento e resistir à tendência de consumir mídia isoladamente. Kolber recomendou ler ou ouvir as notícias como uma atividade que requer “foco único”, não como parte de nossas rotinas regulares de multitarefas [fazendo várias coisas ao mesmo tempo]. Isso nos permite lidar com as respostas de ansiedade ou de desconforto do nosso corpo, enquanto “testemunhamos a partir de um lugar de dignidade e integridade”.

Para outros, diferentes limites podem ser mais úteis, de acordo com nossas personalidades, nossas feridas e as capacidades que Deus concedeu a cada um de nós. Em um episódio recente do The Bulletin, o apresentador e editor-chefe da CT, Russell Moore, observou que alguns cristãos podem precisar se afastar do consumo de mídia por uma temporada para, em vez disso, se envolverem profundamente com as Escrituras. Para outros, como disse o coapresentador Mike Cosper, uma diferenciação consciente entre vida pública e vida pessoal pode ser proveitosa.

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Quaisquer que sejam as mudanças práticas que façamos em nossos hábitos de mídia, no entanto, ainda será difícil testemunhar o sofrimento do mundo, entrar em contato com estatísticas sobre a guerra em Gaza, com histórias de violência com armas ou com testemunhos de injustiça racial. Nossa sensibilidade diante da tragédia será mais durável se estiver ancorada no lamento da comunidade.

No lamento, “sensibilizamos e fortalecemos nossos corações”, escreve a cantora e compositora Sandra McCracken. Seja em um culto, no domingo de manhã, com as orações das pessoas, seja em um culto de oração na quarta-feira à noite ou uma reunião especial por causa de uma tragédia específica, o lamento coletivo nos oferece um canal para extravasar emoções que, de outra forma, poderiam nos sobrecarregar.

Juntos, damos nome à injustiça e à tragédia e as inserimos no arco da grande narrativa da fidelidade redentora de Deus. Somos lembrados de que Deus se importa com as manchetes, de que ele reina sobre todos os líderes do mundo (Daniel 2.21), de que nem mesmo a “menor” das tragédias escapa à sua atenção (Mateus 10.29). É aqui, diz a autora Sheila Wise Rowe, ao lamentar e ao crescer com os outros, que descobrimos que “nossa dor e nossa raiva são transformadas e canalizadas de expressões de desespero para sinais de esperança”.

Em tudo isso, uma coisa é certa: Deus nos chama a responder ao sofrimento. Enquanto leio as manchetes a cada semana, quando preparo um novo episódio do The Bulletin, tento me livrar dos calos de insensibilidade que tomaram conta do meu coração.

Quando meus olhos se deparam com uma história que detalha uma grande dor, muitas vezes eu oro: Vem depressa, Senhor Jesus (Apocalipse 22.20). Quando leio estatísticas sobre desastres, paro para me lembrar que cada número representa um nome, uma pessoa por quem Cristo morreu. Quando olho para rostos desconhecidos nas fotos de jornais, lembro-me daqueles rostos que conheço — de familiares e amigos necessitados, de pessoas que apoio em grupos de assistência ao luto. Estamos todos unidos em nosso anseio por redenção, em meio a um mundo caído, e peço a Deus que possa “partir meu coração por aquelas coisas que partem o coração de Deus”.

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Por fim, busco maneiras de agir, seja por meio de uma doação para uma causa distante, seja por meio de assistência direta em minha comunidade. Posso não ser capaz de oferecer um copo de água fresca a uma viúva ucraniana, mas posso enviar fundos para o exterior e cuidar de viúvas em minha igreja. Posso não ser capaz de resolver o conflito no Oriente Médio, mas posso buscar ser uma pacificadora em meu local de trabalho e em minha vizinhança. Mesmo diante das piores notícias, eu não sou impotente — e Deus também não é.

Jesus disse a seus discípulos. “Neste mundo vocês terão aflições; contudo, tenham ânimo! Eu venci o mundo” (João 16.33).

Ao longo de milênios oferecemos um amém de coração partido. Este mundo não é como deveria ser, como deixam repetidamente claro as manchetes de cada dia. Mas essas manchetes não precisam nos levar ao desespero nem nos fazer encolher numa indiferença defensiva. Embora o pecado, a morte e o diabo sejam notícia, Cristo venceu todos eles.

Clarissa Moll é a produtora do podcast semanal de notícias da Christianity Today, The Bulletin.

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