Como cingapurense, cresci imerso em uma cultura nacional definida pelo estresse.

Esses instintos foram inegavelmente mais aprendidos do que qualquer outra coisa — meu pai, original da Malásia, e minha mãe, nascida na Coreia do Sul, mudaram dos Estados Unidos para Cingapura na década de 1990. Muito de como eu cresci foi moldado pela intensidade da cultura acadêmica de Cingapura, que transita entre cargas pesadas de exames, aulas de acompanhamento escolar depois do horário das aulas e pilhas de trabalhos práticos para concluir.

Diferentes fases da minha vida viriam a espelhar esse ritmo: viver dias agitados no ensino médio, entre escrever longas redações e servir na igreja, equilibrar responsabilidades durante o serviço militar, ao mesmo tempo em que liderava um pequeno grupo e tentava manter a leitura em dia, administrar o frenesi da minha vida na graduação e as subsequentes incumbências como estudante de pós-graduação e, mesmo agora, quando vivo tentando tocar adiante diferentes compromissos com ministério, redação criativa, edição, amigos e família em meio a um emprego de tempo integral.

A última vez em que me senti completamente esgotado foi há cerca de 5 anos, como estudante de graduação na Inglaterra. Entre ler e escrever os trabalhos para as diferentes matérias, manter-me ativo em comunidades cristãs, participar de produções teatrais e praticar remo ao amanhecer, percebi que gradualmente estava comprometendo minhas horas de sono. Sete horas por noite foram reduzidas a seis ou até a quatro horas e meia. Não tenho certeza do que me levou a isso naquela época. Talvez tenha sido um senso de obrigação e de responsabilidade — que eu sentia dever às pessoas a quem havia feito promessas — ou um desejo de não deixar nenhuma área da minha vida universitária escapar pelos vãos dos dedos. Por trás de tudo isso, talvez, estivesse um impulso de otimização.

A otimização pode ser descrita de duas maneiras, segundo opina a escritora Jia Tolentino. Em primeiro lugar, é um meio de obter lucro ao “satisfazer nossos desejos” com “o menor esforço” — uma formulação postulada pelo economista William Stanley Jevons. Em segundo lugar, é o processo de fazer algo, como o Merriam-Webster aponta, “tão perfeito, funcional ou eficaz quanto possível”.

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Uma devoção excessiva à auto-otimização subverte nossos relacionamentos em termos de tempo e esforço, substituindo o cuidado e a consciência de nossas limitações físicas e mentais por um impulso implacável para concluir tarefas. Em outras palavras, a otimização pode fazer com que nos apeguemos demais àquilo que deveríamos confiar a Deus.

Uma preocupação nacional

Ao rastrear as raízes desse instinto de otimização, a tentação é traçar uma história da sobrevivência, da ansiedade geopolítica e da competitividade econômica de Cingapura. As maquinações da Cingapura empresarial criaram raízes após sua separação sem cerimônia da Malásia, na década de 1960. Por se tratar de uma pequena cidade-estado com recursos naturais mínimos, a qualificação de seu povo tornou-se sua maior vantagem competitiva, como muitas vezes nos disseram. A transformação da “força de trabalho” de Cingapura e o aprimoramento de seu “capital humano” ocorreram por meio de corporações multinacionais, que treinaram gerações de trabalhadores, e das políticas educacionais focadas que aumentaram nossa vantagem competitiva. A meritocracia — assim como o desempenho, a produtividade e a diligência — eram defendidos como um ideal sagrado.

Essa corrida inebriante rumo à modernização, à tecnologização e à otimização estruturou as aspirações nacionais em Cingapura por muito tempo. As pessoas viam suas vidas serem transformadas materialmente como resultado da cuidadosa gestão governamental do desenvolvimento econômico do país. O outro lado da moeda, no entanto, tem sido uma população perpetuamente estressada. A qualificação tornou-se o novo mantra do Estado, com o governo oferecendo crédito para os cidadãos treinarem e aprenderem novas habilidades. Em outras palavras, a otimização do eu continua, e parece ser central para a psique de Cingapura.

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Na igreja em Cingapura, as aspirações de muitos começaram a se apegar a linhas semelhantes, sendo que a noção de bênção tornou-se correlacionada à riqueza. A vida da igreja começou a se assemelhar às mudanças do país, sendo o discipulado e a comunhão trocados por programas e eventos facilmente otimizáveis e mensuráveis: palestras, jantares e conferências, nos quais o número de pessoas alcançadas ou convertidas pudesse ser rastreado em dígitos.

A compactação do tempo, por meio da ênfase nacional na auto-otimização, bem como as crescentes demandas de tarefas de trabalho ou das tarefas escolares, impostas a cada pessoa em Cingapura, serviram apenas para fomentar a ansiedade em torno da comparação e acelerar o passar dos meses e dias.

Como argumenta um escritor e crítico cingapurense, Gwee Li Sui, “os implementos sociais e técnicos da modernidade têm melhorado nossas vidas cotidianas tão-somente para aumentar seu ritmo, dando-nos mais tempo, que é desperdiçado com a mesma rapidez. A interdependência política e econômica forja a confiança e a compreensão entre os povos, mas também aumenta a frustração e a sensação de insegurança, por meio de comparações sem fim”.

Oração centralizante

Quando fazia faculdade, assisti a uma palestra do designer gráfico Andrew Khatouli. Ao falar dos desafios que enfrentava ao trabalhar na indústria criativa e das pressões de buscar a excelência criativa, uma frase dele me impactou fortemente: “Sua ética de trabalho é tão boa quanto sua ética de descanso”. O ímpeto de desacelerar e me dar tempo para descansar tornara-se algo muito combatido. O primeiro passo exigia um compromisso renovado de guarder o sábado. Comecei pela resolução de folgar todo domingo, substituindo horas frenéticas de leitura de última hora por caminhadas, podcasts e tempo com amigos.

O espaço livre de um dia inteiro de repente parecia rico de possibilidades, uma passagem que propiciava uma interrupação temporária entre diferentes fluxos de trabalho. Levei a sério dois conceitos bíblicos: o shabbat (“sábado”, em hebraico), o conceito da cessação do trabalho, e o nuach (“descanso” , em hebraico), o conceito do estabelecimento de um espaço de oração e louvor, na igreja e em outros lugares. Embora tenhamos sido criados de forma singular à imagem de Deus, como mostra a narrativa do Gênesis, continuamos sendo criaturas feitas do pó da terra. Como o pregador Christopher Ash argumenta em Zeal without Burnout [Zelo sem burnout], abrir mão do sono, do sábado, dos amigos e da renovação interior pelo Espírito Santo é tentar criar para nós mesmos uma espécie de paridade com Deus.

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Uma vida cristã de sacrifício sustentável, no entanto, é embasada no reconhecimento da limitação humana. O cultivo de uma intimidade com Deus e de uma vida interior séria requer um espaço à parte de nossas personas constantemente ativas. “Há um lugar na alma que nem o tempo, nem o espaço, nem nenhuma coisa criada pode tocar”, escreveu um místico do século 14, Meister Eckhart. A intenção da oração é visitar esse tipo de santuário que Eckhart descreve, diz o poeta e filósofo John O’Donohue.

Alinhando ao kairós

A preocupação com a eficiência e a otimização do eu pode servir para diminuir a consciência de nossa humanidade. Perdemos nosso senso de que somos trazidos à existência pelo Criador, em amor, de que somos criados à sua imagem e de que precisamos ser nutridos espiritual e emocionalmente pela comunhão divina.

Às vezes, uma irrupção kairológica pode servir para nos chocar com a tepidez de nossa agitação e tendência à otimização. A concepção neotestamentária da palavra grega kairós descreve um tempo determinado no propósito de Deus. O kairós constrói uma espécie de imediatismo e é a linguagem temporal que Jesus usa, quando proclama no Evangelho de Marcos: “O tempo é chegado […]. O Reino de Deus está próximo” (1.15).

Momentos kairós — como quando o corpo entra em colapso, ou quando acontece a morte de um ente querido ou um acidente de carro por exaustão — têm o potencial de nos tirar de um estupor frenético. São estes os momentos que nos fornecem lembretes contundentes da presença de Deus — aqueles que nos tornam extremamente conscientes não apenas de nossas limitações mortais, mas também do caráter efêmero do tempo. Eles nos fornecem um lembrete de que nossos calendários não operam de acordo com o mistério do tempo ordenado por Deus. Recebemos meros vislumbres de como Deus se move no tempo, além daquilo que podemos ver e perceber. “Tenho visto o fardo que Deus impôs aos homens. Ele fez tudo apropriado a seu tempo. Também pôs no coração do homem o anseio pela eternidade; mesmo assim este não consegue compreender inteiramente o que Deus fez”, escreve o autor de Eclesiastes (3.10-11).

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O amor de Deus tem “um tipo de velocidade diferente da velocidade tecnológica a que estamos acostumados”, diz o teólogo Kosuke Koyama. “Ele continua nas profundezas de nossa vida, quer percebamos quer não, a cinco quilômetros por hora. É a essa velocidade que caminhamos e, portanto, é essa a velocidade que caminha o amor de Deus”. Quando perdemos de vista o caráter restaurador do sábado, esquecemos que “o sábado foi feito por causa do homem, e não o homem por causa do sábado” (Marcos 2.27). Perdemos a capacidade de cultivar uma vida interior, de acessar o intocável “lugar da alma” que Eckhart descreve.

Chegando à Quaresma

Neste tempo de Quaresma, pode valer a pena considerar a melhor forma de se opor à primazia da otimização. O teólogo Rowan Williams sugere, em seu livroBeing Human [Sendo humano], que aos seres humanos é dada dignidade, independentemente de “quantas caixas forem ticadas”, porque estamos “em meio a uma rede de relações” com Deus e de uns com os outros. “Uma linguagem da pessoalidade que seja teologicamente informada corrige a linguagem mecânica que nos reduz a uma lista de verificação de atributos”, escreve Christopher Benson em sua resenha do livro de Williams.

Como corretivo às pressões de otimização, assumi vários compromissos para tentar cultivar espaço para a interioridade e o silêncio nesta Quaresma. O silêncio apóia nossa “humanidade em crescimento” e humilha nosso desejo de poder e controle, argumenta Williams: “Deus é Deus por ser Deus para nós, e nós somos humanos por sermos humanos para Deus; e toda alegria e satisfação se abrem, quando reconhecemos isso”. Meu primeiro compromisso tem sido continuar lendo as Escrituras todos os dias. O segundo compromisso tem sido manter uma programação de devoções diárias, publicada pela Sociedade Bíblica de Cingapura. O terceiro tem sido ler um poema por dia de uma antologia sobre a alegria.

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Espero que aprender a espaçar minha agenda, a dizer não a certos compromissos ou convites, e a arrumar momentos para oração e leitura todos os dias ajudará a mudar as coordenadas de meu relacionamento atual com o tempo. Espero que esses hábitos ajudem a despojar as maneiras pelas quais a auto-otimização se meteu em minha vida como um ideal.

Não tenho a pretensão de acreditar que eu me livrei do estresse contínuo de todo dia ou do impulso de resolver as tarefas com rapidez e eficácia. No entanto, essas práticas ajudaram a fornecer momentos necessários de pausa e reflexão, principalmente quando eventos recentes conspiraram para propiciar os choques kairológicos de que eu precisava para me voltar de novo para Deus.

Mergulhar na lentidão do calendário litúrgico, guardar o sábado e lembrar das intervenções dos momentos kairós é facilitar um afastamento da otimização e das estruturas de tempo que a possibilitam. Uma vida de fé nos sustenta e fortalece, mas levamos uma eternidade para aprender a vivê-la.

Jonathan Chan é o autor da coletânea de poesias Going home [A caminho de casa] (Landmark, 2022). Suas poesias e seus ensaios foram publicados em Ekstasis, The Yale Logos e no Ethos Institute for Public Christianity.

Tradução: Mariana Albuquerque

Edição: Marisa Lopes

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