Quando eu estava no seminário, há 12 anos, a maioria dos meus colegas de classe e eu estávamos discernindo sobre a qual denominação nos filiar. Como, em nosso seminário não denominacional, muitos de nós nos sentíamos chamados para a liderança da igreja, essa foi uma grande decisão. Uma coisa é escolher um lugar para cultuar e ser membro; outra bem diferente é fazer votos de ordenação.

Ser pastor é um pouco como ser casado: prometemos fidelidade a Deus dentro de uma família específica de pessoas. As apostas pareciam altas, à medida que ponderávamos com qual família denominacional deveríamos nos comprometer — e nisso se incluíam posicionamentos teológicos, peculiaridades interpessoais e problemas estruturais. Nossos professores de seminário mostraram que mesmo os líderes de igreja com a mentalidade mais ecumênica que houver continuam a ser profundamente impactados por seu contexto denominacional.

Isso em si não é algo ruim. Pertencer a um corpo específico nos encoraja a investir na saúde e na integridade não apenas de nossas congregações individuais, mas também de nossas redes congregacionais. Ordenados ou não, devemos estar dispostos a nos envolver em conversas difíceis sobre as estruturas de liderança, as convicções teológicas e os valores essenciais que caracterizam nossas respectivas tradições.

No verão deste ano [no hemisfério Norte], cristãos de várias denominações (entre eles, da Convenção Batista do Sul, da Igreja Presbiteriana na América, da Igreja Anglicana na América do Norte e da Igreja Reformada Cristã) realizaram reuniões nacionais para discutir essas convicções e esses valores.

Esses encontros de denominações nem sempre são agradáveis. Este ano, os batistas debateram se mulheres que trabalham em sua equipe pastoral poderiam ser chamadas de pastoras; os presbiterianos discordaram sobre como lidar com a polarização política em suas igrejas; e os anglicanos discutiram sobre como responder à má conduta do clero e o que dizer sobre ela. Essas discussões todas valem nosso investimento e esforço.

Article continues below

Boletins gratuitos

Mais boletins

Mas elas também podem gerar ansiedade, especialmente quando ocasionam mudanças. Na minha própria denominação, a Igreja Anglicana na América do Norte, a ansiedade às vezes aumentou,, durante os preparativos para o nosso encontro nacional, pois antecipávamos a eleição de um novo líder para a denominação.

A ansiedade é uma reação natural à preocupação. É um sinal de que estamos pensando no futuro. Mas se agirmos com base na ansiedade, é mais provável que exacerbemos os problemas que esperamos resolver. Ficamos ainda mais polarizados e mais enraizados em nossas facções ideológicas; caricaturamos aqueles de quem discordamos ou expressamos nossas opiniões de maneiras pouco caridosas. À medida que os encontros das denominações aconteciam este ano, meu feed nas redes sociais me lembrava que essa tentação não conhece fronteiras teológicas.

Mas essa ansiedade de que todos compartilhamos também pode nos levar a uma humildade comum. Ela pode ser um lembrete de que toda denominação tem seus desafios e suas incertezas. Todos nós estamos lutando com questões difíceis sobre pontos importantes, como questões de segurança relacionadas ao ministério infantil, de transparência e de qualificações para liderança, para citar apenas algumas.

Algo que nos deixa humildes é perceber que nenhum tipo de política, tamanho ou estrutura de igreja pode eliminar completamente os conflitos ou a corrupção. Até mesmo igrejas e redes de igrejas não denominacionais enfrentam essas realidades. Nenhuma tradição — seja ela protestante ou não — é imune a problemas. Se algum dos meus colegas de seminário ou eu mesma pensávamos que poderíamos encontrar uma denominação perfeita para nos juntarmos a ela, estávamos redondamente enganados.

Mas reconhecer isso não deve nos fazer substituir a ansiedade pela apatia. Reconhecer nossa necessidade universal de renovação não é o mesmo que fazer as pazes com nossos problemas. Nem é desculpa para evitarmos trabalhar duro na autorreflexão sobre nossos contextos individuais. Pelo contrário, é um convite para aprofundarmos nossa confiança naquele que é o único que pode trazer a renovação que buscamos.

Article continues below

Em Mateus 16, Jesus confronta seus discípulos com uma pergunta. Seu ministério estava crescendo, e as multidões começaram a levantar teorias sobre a identidade de Jesus; assim, em um momento de privacidade, ele pergunta a seus seguidores: “Quem vocês dizem que eu sou?” (v. 15).

A resposta ousada de Pedro e sua profissão de fé — “Tu és o Cristo, o Filho do Deus vivo” — diferencia os discípulos das multidões e introduz a primeira menção à igreja no Evangelho de Mateus. Jesus responde a ele: “Feliz é você, Simão, filho de Jonas! [...] E eu lhe digo que você é Pedro, e sobre esta pedra edificarei a minha igreja, e as portas do Hades não poderão vencê-la” (v. 16-18).

Seja lá qual for nossa compreensão da profissão de Pedro e sua primazia na igreja primitiva, podemos ser encorajados pelo fato de que a promessa de Jesus ainda soa verdadeira: a igreja é projeto de Deus. É Deus quem nos edificará, e que não pode ser detido por nenhum poder do inferno. Nosso trabalho principal é praticar a fidelidade a ele em todas as coisas — sejamos batistas ou presbiterianos, sejamos pastores ou congregantes, estejamos orgulhosos de nossa tribo teológica ou desiludidos com ela. O fato de não sabermos exatamente para onde isso nos levará é parte da questão. Não somos soberanos sobre os planos de Jesus.

À medida que buscamos ser fiéis em nossos respectivos territórios eclesiásticos, a confissão histórica de Pedro aponta outro exemplo para nós: ela nos lembra que qualquer que seja a influência ou a liderança que tenhamos, ela repousa no entendimento de que nós não somos o Cristo. Nenhum líder da igreja, com suas respectivas opiniões, é o Cristo. Nenhuma congregação, nenhuma denominação, nenhum sistema de governança é o Cristo. A igreja não é feita de pessoas que acertam tudo. Ela é feita de pessoas que acertam em uma coisa só: que Jesus é o Cristo. Nossa força está no fato de não sermos nós a fonte [da igreja].

Article continues below

A igreja pertence a Jesus, e não a nós. Contudo, do mesmo modo que ele chamou Pedro e os demais discípulos, também nos chama para sermos parceiros dele em seu projeto. Este projeto é muito maior do que qualquer denominação. Mas podemos oferecer nossas pequenas esferas de autoridade e de responsabilidade a Jesus, confiantes de que, por meio de nós, ele continuará a construir sua igreja.

Exercitar essa verdade nos protege tanto do cinismo quanto do esgotamento, à medida que buscamos saúde e santidade em nossas denominações. Podemos e devemos continuar a agir de acordo com nossas convicções, pelo bem do povo de Deus, mesmo quando isso levar a desentendimentos. Mas devemos fazê-lo com integridade, sabendo a quem prestaremos conta de nosso ministério.

Paulo modela isso em sua carta aos Coríntios:

Portanto, visto que temos este ministério pela misericórdia que nos foi dada, não desanimamos. Antes, renunciamos aos procedimentos secretos e vergonhosos; não usamos de engano nem torcemos a palavra de Deus. Ao contrário, mediante a clara exposição da verdade, recomendamo-nos à consciência de todos, diante de Deus. [...] Temos, porém, esse tesouro em vasos de barro, para mostrar que o poder que a tudo excede provém de Deus, não de nós. (2Coríntios 4.1-2, 7)

Em qualquer canto da igreja global que formos chamados a servir, nosso trabalho é limitado, mas não é em vão. Jesus prometeu terminar o que começou. Nossos ganhos e perdas de curto prazo são parte de uma obra maior, que inclui todos os filhos de Deus.

Hannah King é escritora e sacerdotisa na The Vine Anglican Church [Igreja Anglicana A Videira], em Waynesville, Carolina do Norte, e é autora de um livro que será lançado em breve sobre viver com esperança na presença da dor.

[ This article is also available in English. See all of our Portuguese (Português) coverage. ]