A igreja pode ser algo muito decepcionante. Queremos que ela seja saudável e vibrante, que cresça e seja missionária, fiel e generosa; muitas vezes, porém, o que vemos em nossas congregações locais são mais problemas do que triunfos, mais medo do que coragem e mais fraqueza do que força. Nem sempre somos um grupo dos mais atraentes.

Quando olhamos para além dos muros de nossa igreja, tantas são as necessidades que vemos em nossas comunidades e no mundo como um todo: queremos cuidar dos pobres, proclamar o evangelho, combater a injustiça, dar apoio a famílias em dificuldades — a lista é interminável. Nossa imaginação fica entusiasmada diante do que a igreja pode realizar, mas, em seguida, muitas vezes nos sentimos decepcionados com o quanto nossa obra é escassa na realidade. Será que estamos destinados a nos sentir eternamente desapontados com nossas igrejas?

Toda igreja tem limitações e desafios: é moldada por aspectos como localização física, finanças, redes de contato restritas e sua história. A longa pandemia da COVID-19 aumentou as dificuldades para muitas congregações, resultando em menos envolvimento na igreja e mais desafios na área de saúde mental, menos conexão relacional e mais polarização política.

Se formos honestos, isso pode nos deixar sem esperança. Mas e se, em vez de olharmos para as limitações de uma igreja como meros obstáculos, começarmos a vê-las como sinais da obra e da promessa de Deus? E se reconhecer nossas limitações pudesse fomentar amor, uma comunidade real e uma missão saudável? Eu gostaria de viver isso. Três princípios podem nos ajudar a evitar o romantismo, nos libertar para ver a obra mais ampla de Deus e nos fundamentar em suas promessas.

Realidade vs. romantismo

Reconhecer as limitações de nossa igreja nos ancora na realidade ao nosso redor e evita ilusões românticas. Há alguns atrás, alguém me contou a história de um homem que tinha namorado muitas mulheres, mas sempre terminava com elas. Uma mulher era brilhante, mas não sabia relaxar. Outra era bonita, mas tinha um senso de humor irritante. Uma terceira tinha uma carreira incrível, mas não compartilhava dos mesmos interesses intelectuais. E assim era. Ele tinha a imagem mental de uma mulher perfeita, mas era uma imagem de alguém super-humano, e não de uma mulher real. Em que resultou sua maneira de pensar? Ele trilhou um caminho de solidão e decepção, em vez de encontrar o amor verdadeiro com uma pessoa real.

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Da mesma forma, muitas vezes criamos uma imagem de igreja que é simplesmente impossível. Algumas igrejas têm um louvor incrível ou tem programas impressionantes, e queremos ver isso em nossa igreja. Outras dão aulas de reforço escolar para as crianças do bairro, contribuem para abrigos de sem-tetos ou ajudam desempregados a encontrarem trabalho, e nós também queremos ver isso em nossa igreja. Ouvimos falar de pregadores talentosos, de pastores que sabem se fazer plenamente presentes para os doentes e idosos, e de congregações que têm uma rica diversidade, enquanto a nossa própria congregação não tem algumas ou nenhuma dessas qualidades. Cada igreja local tem sua particularidade concreta no sentido de possuir estas circunstâncias e não aquelas e, consequentemente, de fazer isto, mas não aquilo — e é evidente que nós muitas vezes nos concentramos naquilo [que não temos] e nos sentimos eternamente desapontados.

Na década de 1930, o jovem teólogo alemão Dietrich Bonhoeffer se dedicava a preparar pastores para o ministério. Eles eram treinados ao mesmo tempo em que levavam uma vida em comunhão e, no processo, Bonhoeffer lhes mostrava como as estruturas sociais afetam a vida da igreja. Por exemplo, uma figura carismática pode levar as pessoas à ação, mas o mau uso da atratividade [desse carisma] pode destruir uma vida comunitária saudável.

Bonhoeffer enfatizava que pouca coisa era mais fatal para uma comunidade de fé do que uma visão romantizada do que era essa vida em comunhão. Ideias não realistas facilmente nos desconectam de nossas comunidades reais. “Aqueles que amam o sonho que têm de uma comunidade cristã mais do que amam a própria comunidade cristã tornam-se destruidores dessa comunidade, ainda que suas intenções pessoais possam ser as mais honestas, sinceras e sacrificais possíveis”, observa Bonhoeffer em Vida em comunhão.

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Uma das atitudes mais restauradoras e poderosas que os pastores podem assumir para com suas congregações é apreciar em sua plenitude as pessoas que Deus reuniu ali. Uma vez que é Deus quem lança o fundamento e une seu corpo em Cristo, Bonhoeffer enfatiza: “nós entramos nessa vida em comunhão com outros cristãos não como quem faz exigências, mas como quem recebe com gratidão”. Para alguns, elaborar planos e visões impressionantes é muito mais fácil do que [ouvir] o chamado de Paulo para abrirmos o coração para as pessoas exasperantes ao nosso redor — muito embora abrir o coração seja exatamente o que devemos fazer (2Coríntios 6.11,13). Deus derrama sua graça sobre todos que aparecerem, e nos ensina a ouvir com interesse as histórias uns dos outros, a apoiar uns aos outros em nossas dores e também a descobrir os dons e os sentidos do chamado uns dos outros.

Essas pessoas, que são reunidas aqui e agora por Deus, não vêm cobertas de poder ou de perfeição, mas sim por sua necessidade de adorar a Cristo. E é nesta comunidade que você pode superar modelos hipotéticos de igreja e caminhar em direção a uma vida na qual dá e recebe graça, perdão e amor profundos. Somos um grupo estranho e desconcertante de pessoas que nem sempre se unem naturalmente, mas essa estranheza e esse caráter desconcertante são justamente uma dádiva de Deus, e ignorá-los prejudica a nós e ao nosso povo. Nossas limitações e nossa união são parte do chamado de Deus para servirmos estas pessoas neste lugar, e são uma parte indispensável para que ele nos capacite a fazê-lo.

Image: Illustration by Michael Marsicano
Capacitados de forma única

Reconhecer as limitações da nossa igreja nos liberta para focar na obra que Deus a capacitou para fazer e, ao mesmo tempo, valorizar a obra mais ampla do reino que Deus está fazendo para além da nossa igreja. Todos nós já vimos crianças que, depois de terem ganhado um presente de Natal, notam o brinquedo que outra criança ganhou e decidem que aquele brinquedo é tudo o que querem. Da mesma forma, todos nós também podemos ficar imaginando quão grandiosa seria a vida se tivéssemos os talentos ou os recursos de outras pessoas ou igrejas. Isso se aplica a nós tanto como indivíduos quanto como grupo. E, quando as coisas se tornam especialmente desafiadoras para os líderes da igreja, pode ser difícil até mesmo enxergar o bem que nos é dado, pois nos sentimos sobrecarregados por dificuldades e decepções. Talvez precisemos de encorajamento para olhar novamente com graça [para nossa igreja].

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Como diretora de inovação na organização The Chalmers Center, minha esposa, Tabitha, trabalha com igrejas e organizações cristãs sem fins lucrativos, a fim de ajudá-las a servirem suas comunidades e, em especial, aos materialmente pobres. Um dos princípios que ela ensina é que, em vez de começar um projeto de ministério olhando para o que as pessoas precisam, devemos começar olhando para os dons que uma comunidade ou uma pessoa traz para a situação. Quando um ministério é movido por aquilo que quem o sustenta acredita ser necessário, e não por uma consciência sincera dos recursos reais que as pessoas trazem [para aquela situação], estas geralmente acabam sendo feridas em vez de ajudadas.

Todas as pessoas — sejam elas ricas ou pobres, instruídas ou não, membros de igrejas grandes ou pequenas — todas têm dons. O objetivo é descobrir o que Deus deu em particular para esse grupo específico de pessoas, como ele o capacitou, e então nutrir e empregar esses dons para o serviço no reino de Deus.

Por exemplo, uma igreja com a qual Tabitha trabalhou queria acabar com a fome infantil em sua cidade — um desejo legítimo e que honra a Deus —; uma avaliação mais atenta, porém, mostrou que a congregação ainda não tinha as habilidades nem os conhecimentos necessários para esse ministério. Isso pode parecer decepcionante, mas para esta igreja não foi. A avaliação acabou liberando-os para virem a buscar uma obra mais adequada a seus dons e habilidades: uma creche, ministério em que eram bastante eficazes. Também liberou pessoas na congregação para buscarem, fora da estrutura do ministério da própria igreja, maneiras de combater a fome infantil. Algumas dessas pessoas se ofereceram para trabalhar como voluntárias em outras organizações sem fins lucrativos locais que já estavam atendendo a essa necessidade.

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Todas as igrejas podem abençoar seus membros em oração e enviá-los para trabalhar com grupos e ministérios que estejam capacitados de maneira que uma igreja local em particular pode não estar. Dessa forma, amar a igreja levando em conta suas limitações espalha esse amor para além de seus muros. Qual é a situação de sua igreja local? Antes de se desesperar, tente ver seus ativos, bem como suas limitações. Aprenda a florescer dentro do espaço que Deus lhe deu, antes de tentar criar um novo espaço em outro lugar.

Deus conhece todas as necessidades de sua igreja e do mundo. E ele sabe que nenhum indivíduo e nenhuma congregação local podem atender a todas essas necessidades. Deus não está em pânico nem desapontado por este fato. Ele criou cada um de nós para dependermos dele, dos outros e da Terra. Somente quando enxergamos nosso lugar dentro dessa obra muito mais ampla de Deus conseguiremos passar do desapontamento com nossas igrejas locais para um sentimento de alegria e gratidão pelas contribuições que podemos fazemos.

Ignorar as limitações da nossa igreja pode nos levar a tentar desenvolver ministérios que não atendam nem às necessidades genuínas nem às nossas habilidades, e, assim, perderemos o que Deus está fazendo. Amar nossa igreja dentro de suas limitações, reconhecendo suas qualidades e fraquezas, permite que seus membros sirvam em comunhão, sem se sentirem desapontados por não poderem ser tudo para todos.

A igreja é de Deus

Reconhecer as limitações da nossa igreja nos lembra que Deus assume a responsabilidade por seu povo. Especialmente para aqueles de nós que ocupam funções de liderança dos mais diversos tipos na igreja, é fácil sentir o peso da congregação sobre nossos ombros. Embora digamos que Deus ama sua igreja, nossas vidas muitas vezes demonstram que sentimos que somos nós, e não Deus, quem carrega a responsabilidade por sua sobrevivência. Essa falsa crença pode surgir por muitas razões, como épocas em que nossas orações sinceras parecem não obter resposta, ou quando vemos todo o trabalho que precisa ser feito e que ninguém mais se dispõe a fazê-lo. Continuamos fazendo mais e mais, e somos pouco a pouco esmagados por um peso crescente.

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Em nosso desânimo, podemos chegar a pensar se Deus está de fato distante e despreocupado, aparecendo apenas ocasionalmente para grandes eventos ou emergências, como se ele nos tivesse dado as chaves do carro e depois desaparecido. Nossas instruções? Não bata o carro, continue dirigindo. No começo, adoramos a alegria de dirigir, mas o custo dos consertos e do combustível logo nos sobrecarrega. Nós olhamos ao redor e não vemos Deus; então, continuamos tentando consertar o carro nós mesmos, esperando que Deus um dia volte para buscá-lo e não se zangue muito conosco.

No entanto, no fundo, sabemos que a verdade é esta: a igreja é aquilo que Deus faz, não o que nós fazemos. Sim, Deus nos dá dons e energia para empregarmos com liberdade e vigor. Deus nos chamou para servir, e o que fazemos é importante. Mas, como aponta Bonhoeffer, essa atividade requer uma base mais profunda: “A comunidade cristã não é um ideal que devemos concretizar, mas sim uma realidade criada por Deus em Cristo da qual podemos participar”.

Bonhoeffer, com essas palavras, rejeitou a tentação que muitas vezes experimentamos: a de imaginar que somos os únicos responsáveis por criar a igreja, por fazê-la crescer e mantê-la. O reino de Deus é uma dádiva (Lucas 12.32). A igreja, o ajuntamento do povo de Deus que adora o Rei Jesus, é uma dádiva de Deus da qual participamos, e não um movimento que podemos iniciar ou sustentar à base de nosso próprio poder.

Ao contrário dos grupos de CrossFit ou dos clubes de jardinagem ou de qualquer outra organização criada para atrair tipos de personalidade semelhantes, a igreja reúne pessoas que muitas vezes não se uniriam naturalmente. Do ponto de vista sociológico, isso parece uma enorme desvantagem, mas do ponto de vista teológico, é um belo presente. Deus nos ajunta, com todas as nossas diferenças, e nos une somente pela graça do Senhor Jesus Cristo, na comunhão do Espírito e no amor do Pai. É Deus quem chama e sustenta seu povo; é ele quem cuida de seu povo.

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O que une a igreja não é a boa vontade dos crentes nem uma visão compartilhada, mas sim o Espírito de Cristo. Nós não geramos a igreja; antes, somos libertados para dela participar com alegria. Ainda assim, tendemos a esquecer de algo: esta é a igreja de Cristo. Por mais que amemos o povo de Deus, ele os ama mais. Ele nos ama mais. Deus está mais comprometido com a vida e a saúde de sua igreja do que nós jamais poderíamos estar. Somente quando bebemos profundamente dessa verdade, nossa vida em comunhão pode ser movida por alegria e esperança, e não por frustrações ou manipulações.

Não é a nossa força, nem a nossa determinação, nem a nossa visão o que une a nossa igreja — isso é obra de Deus. O Espírito de Deus produz seu fruto entre seu povo — um fruto que nos é dado para ser usufruído, especialmente por aqueles famintos de amor, alegria, paz, paciência, benignidade, mansidão, bondade e verdade. Considerar a natureza da igreja, a de ser guiada pelo Espírito, nos capacita a reconhecer quando Deus fecha as portas ou nos lembra que só podemos fazer aquele tanto, e que está tudo bem. Jesus promete nos encontrar em seu povo imperfeito, e por meio desse povo.

Amor ilimitado

Amar nossa igreja local dentro de suas limitações exige que resistamos à tentação de idealizar nossa comunidade, mas, em vez disso, abracemos as pessoas que Deus nos trouxe. Amamos a Jesus em nossos irmãos e por meio de nossos irmãos, e não apesar deles. E isso nos permite ver nossa própria congregação especificamente como uma pequena parte da obra universal muito mais ampla de Deus. Assim, somos livres para ver outras igrejas e outros grupos de cristãos não como ameaças ou concorrentes, mas como colaboradores com os quais podemos nos alegrar.

Deus ama sua igreja e promete amar o mundo por meio de um grupo inexpressivo de pecadores que se curvam diante do Rei ressurreto. Nossa confiança não está em nossa fidelidade, mas sim na dele. Deus conhece nossas limitações muito melhor do que nós, portanto, se soubermos amar os outros, com nossas limitações e tudo o mais, participaremos da obra de Deus sem sermos esmagados por ela. Que Deus nos ajude a amar a igreja real e local da qual fazemos parte, porque tanto ela quanto nós pertencemos a ele.

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Kelly M. Kapic é professor de estudos teológicos no Covenant College e atua como presbítero na Lookout Mountain Presbyterian Church, na Geórgia. Ele é o autor de vários livros, incluindo You’re Only Human: How Your Limits Reflect God’s Design and Why That’s Good News .

Este artigo é parte de nossa edição especial de primavera da CT para pastores, que explora o tema saúde da igreja. Você pode encontrar a edição completa aqui.

Traduzido por Mariana Albuquerque.

Editado por Marisa Lopes.

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