Quando eu acompanhava meu pai em visitas pastorais, na minha infância, via a mesma imagem em muitas casas: um homem de barba branca orando com as mãos impostas sobre um pão, uma tigela e uma Bíblia bem grande. Uma legenda frequentemente acompanhava essa imagem: “O pão nosso de cada dia dai-nos hoje”. Esta petição do Pai Nosso é profundamente pastoral. Não no sentido que aprendemos no seminário, mas segundo uma compreensão mais antiga da palavra pastoral, que traz à mente cenas de ovelhas pastando perto de campos de trigo. Essa linha do Pai Nosso faz sentido para pessoas que cultivam e produzem seus próprios alimentos, mas não necessariamente para americanos que vivem nos subúrbios das cidades, a poucos passos de cinco supermercados.

Minha congregação suburbana ora o Pai Nosso todas as semanas. Historicamente, esta oração tem um pé na liturgia e outro no catecismo, já que é frequentemente usada como ponto de partida para o ensino (por exemplo, no Breve Catecismo de Lutero, no Catecismo de Heidelberg, nos dois Catecismos de Westminster, e no catecismo da nova Igreja Anglicana da América do Norte). Usar essa oração dentro de uma série de sermões é uma maneira inteligente de desvendar essas conhecidas palavras de Cristo e apontar o povo de Deus para o Pai nosso que está no céu. O Pai Nosso é uma prece que ora, ensina e prega.

Em uma série de sermões pregados por um grupo de pastores sobre a Oração do Senhor (Mateus 6.9-13; Lucas 11.2-4), designei esta linha em particular para mim mesma, porque amo o tema bíblico que trata de alimento. Mas, uma vez que me vi na preparação do sermão, o desafio desta linha tornou-se evidente. Enquanto o restante da Oração do Pai Nosso facilmente capta necessidades sentidas pelas congregações, esta linha não capta, pelo menos não tão prontamente.

É fácil observar a necessidade de o nome de Deus ser santificado em uma sociedade que está se secularizando rapidamente. Queremos que o reino de Deus venha em sua plenitude, quando testemunhamos a violência e a dor do mundo. Buscamos que a vontade de Deus seja feita. Ansiamos por perdão e pela capacidade de perdoar. Desejamos ser livrados da tentação e do mal. Essas petições podem cativar a mente e o coração dos ouvintes por muitas vezes e em muitos lugares.

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Mas, e “o pão nosso de cada dia dai-nos hoje”? Olhar para uma congregação bem vestida, na esquina da Fourth com a Garfield, é certamente algo muito diferente da visão que Jesus tinha de seus discípulos e das multidões, quando ele ensinou essas palavras pela primeira vez. Cerca de 90% dos ouvintes de Jesus viviam com dificuldade, enquanto a maioria da minha congregação tem despensas sofisticadas, abarrotadas de comida e são membros da rede Costco.

Hoje, quase 90% da população americana desfruta de segurança alimentar. Sim, existem desertos alimentares e muitos americanos que já passaram fome; para pastores que servem em igrejas situadas nesses contextos, a conexão com esta petição é evidente. Contudo, nas congregações em que esta petição aparentemente já foi respondida, como devemos pregar esta passagem?

Mais que espiritual

Uma abordagem histórica para pregar este texto consiste em enfatizar a natureza espiritual do pão. “Parte o pão da vida”, podemos cantar, abrindo as páginas da Bíblia para sermos alimentados. Também podemos conectá-la a Cristo, que disse “Tenho algo para comer que vocês não conhecem” (João 4.32), e também à identidade de Jesus, como o Pão da vida (João 6.35).

Dentro dos contextos de Mateus e Lucas, porém, nos quais o Pai Nosso está registrado, Jesus se preocupa de forma tangível com as necessidades físicas dos famintos. Ele alimenta 5 mil e 4 mil pessoas. Portanto, embora esta linha da oração possa ser corretamente espiritualizada — enfatizando a Cristo como nosso alimento espiritual diário — há também uma realidade terrena essencial para essa oração: Pai nosso que estás nos céus, cuida de minhas necessidades diárias! Esta mensagem de provisão física deve andar de mãos dadas com a ênfase nas necessidades espirituais, por causa de nossa realidade encarnada de seres humanos. Nosso Pai Celestial se preocupa com nossa alma e nosso corpo, e essa oração aponta para dois tipos de provisão.

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Como um sermão não pode falar sobre tudo, quando preguei sobre essa passagem, decidi apontar para o tema do sustento físico. Fiz isso enfatizando palavras diferentes na petição: “dai-nos”, que aponta para a natureza participativa da provisão de Deus; “hoje”, que ressalta o cotidiano de nossas necessidades; e “pão”, que enfatiza a simplicidade do pedido em um mundo de excessos. Todas essas ênfases podem ajudar a levar uma congregação que experimenta excessos a começar a ver as próprias provisões através de uma nova lente: a de Deus.

Dai-nos: um convite à participação

Ao pregar sobre o Pai Nosso, podemos enfatizar sua natureza plural: a oração fala em nos e nosso, não em me e meu. Quando oramos assim, estamos orando com nossos irmãos e irmãs ao redor do mundo. Isso não é apenas para mim e minha família; é uma oração para a família de Deus. Então, oramos em conjunto com nossos irmãos e irmãs daquelas partes do mundo em que os luxos da vida suburbana são realidades distantes e inimagináveis. Essa petição pode nos levar a perguntar como estamos servindo como as mãos e os pés de Jesus, participando da obra de Deus ao fornecer alimento para os famintos, para atender a necessidades físicas dentro e fora da igreja.

Quando preguei sobre este texto, conectei-o a uma igreja com a qual temos parceria em Chopda, Índia, convidando a congregação a participar, como corpo de Cristo, ajudando a fornecer alimentos e remédios para as necessidades físicas de nossos irmãos e irmãs em todo o mundo. Depois de nossa congregação ter respondido generosamente a este apelo, recebemos reportagens em vídeo sobre como a Igreja da Aliança Hindustani experimentou uma multiplicação milagrosa de alimentos e kits médicos. Isso tem servido como um exemplo poderoso para nós do que significa orarmos pelo pão nosso de cada dia.

Talvez, ao pregarmos sobre esta oração, o Espírito envolverá nossos corações de compaixão por aqueles que oram quando sua despensa está vazia. Deus pode nos chamar para participar, fazendo parceria com ele para responder às orações de outras pessoas.

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Hoje: um convite para voltarmos o foco para as necessidades

Na pregação, também podemos enfatizar a diferença entre necessidades e desejos. Confiamos em nosso Pai celestial para suprir todas as nossas necessidades diárias, não nossos desejos. Em um mundo que nos ensina a confundir desejos com necessidades, por causa do marketing, essa linha da oração pode nos trazer sabedoria para perceber a diferença.

Martinho Lutero resumiu esta petição em seu catecismo mais breve, afirmando:

O pão de cada dia é tudo o que pertence ao sustento e às necessidades do corpo, como alimento, bebida, roupa, sapatos, casa, lar, campo, gado, dinheiro, bens, um cônjuge piedoso, filhos piedosos, servos piedosos, piedosos e fiéis governantes, bom governo, bom tempo, paz, saúde, disciplina, honra, bons amigos, vizinhos fiéis e assim por diante.

Nesta lista há muitas coisas de que realmente precisamos e não podemos prover para nós mesmos. Ao orarmos “O pão nosso de cada dia dai-nos hoje”, estamos intercedendo pelas verdadeiras necessidades diárias, as nossas próprias e as de nossos próximos: ar puro, água, alimento, abrigo, sono, amor (relacionamentos) e propósito. E confiamos todas essas necessidades ao nosso bom Pai.

Pão: um convite à simplicidade

O pão é uma comida simples. É comida de todo dia. Em certo sentido, poderíamos tomar a palavra pão como qualquer alimento básico saudável do qual uma comunidade depende para se alimentar, como arroz ou milho. Todos nós precisamos de sustento diário, de comida não sofisticada, apenas comida.

Ao enfatizar o pão, esta oração nos aponta para a prática cristã da simplicidade. Precisamos ser lembrados disso em um mundo no qual podemos facilmente gastar menos de um minuto no celular para pedir hamburguer ou pizza que serão entregues imediatamente.

Quando dizemos “Venha a nós o teu reino”, estamos nos juntando à missão do Rei Jesus de proclamar o reino de Deus. Este é um reino de cabeça para baixo, pois nós — filhos e filhas do Senhor Altíssimo — pedimos o pão de cada dia, apenas. Não pedimos comidas extravagantes nem finas, mas simplesmente comida para sobreviver.

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Pregar sobre simplicidade pode levar a aplicações claras para pessoas cujas despensas estão abarrotadas; entre essas aplicações está a prática de comer com simplicidade e reduzir ou evitar o desperdício de alimentos. Em Mateus 15.37, depois que Jesus alimentou os 4 mil, seus discípulos recolheram as sobras! Imagine o que eles fizeram com elas: distribuíram para aqueles cujas viagens para casa eram mais longas, deram para viúvas, comeram parte das sobras por vários dias. Nada foi desperdiçado.

Na pregação, podemos convidar os ouvintes a considerarem, por exemplo: Como podemos abraçar a simplicidade e administrar sabiamente os alimentos como uma dádiva de Deus?

Assim na terra como no céu

Quando preguei esta mensagem, assei pão pita para distribuir no final, convidando a congregação a comer e a reconhecer o pão como uma dádiva de Deus, lembrando dos 4 mil que comeram o alimento que Jesus providenciou em Mateus 15. Comer, quando ouvimos a pregação de uma passagem que fala sobre pão, ajuda a captar a atenção do nosso coração, mente e corpo, de modo que o ato de comer nos leva de volta ao nosso Deus, que diariamente nos dá todos os tipos de pão. Minha esperança é que, ao nos abrirmos para a liderança do Espírito, qualquer que seja o nosso contexto econômico, esta oração nos transforme e nos ajude a comer e a compartilhar de forma alinhada com o reino vindouro de Deus.

Joy-Elizabeth Lawrence é pastora associada de formação espiritual na Hinsdale Covenant Church. Ela estudou no Regent College (Master of Christian Studies) e no Calvin Theological Seminary (MDiv); vive com sua família nos subúrbios de Chicago.

Este artigo é parte da edição de outono da CT para pastores, intitulada “Giving Our All: How Pastors Can Cultivate and Model Generosity”. Você pode baixar um pdf grátis dessa edição aqui.

Traduzido por Mariana Albuquerque

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